quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A Barata Branca

Narrador
As baratas trocam de pele para poder crescer. É um fenômeno natural e nessa fase são chamadas de noivas ou albinas.
Foi exatamente o que aconteceu com a jovem Kika. Ela era uma baratinha linda da sua raça, pois como todos sabem, beleza depende do ponto de vista e a julgar pelos suspiros provocados nos jovens das redondezas ela seria muito disputada.
Mas quando trocavam de pele elas ficavam brancas e isso era considerado um fator depreciativo, pois aqueles insetos não apreciavam nada ‘diferente’ e só gostavam de baratas marrons semelhantes a eles.
Normalmente o período em que ficam brancas é curto, mas Kika já estava no isolamento do quarto há muito tempo e tanto ela quanto a família Baratoso estavam ficando preocupados.

Papai Baratoso
Que coisa mais tacanha
Essa menina desbotada
Seria até engraçada
Não fosse tão estranha.

É uma coisa caricata
Uma coisa cor de leite
Parece até um enfeite
De uma feira barata.

É um enorme empecilho
Manter sobre o mesmo teto
Esse estranho inseto
Que dá até trocadilho.

Mamãe Baratoso
Marido precisamos ser justos e ajudar nossa filha de todas as formas. Nós vivemos e sociedade e nossa filha faz parte dela e não é a primeira vez que isso acontece. É um problema que atinge muitas baratas e todas elas foram reintegradas na sociedade.

Mamãe Baratoso
Baratoso eu não admito
Que justo você tripudie.
Faz com que eu repudie.
Teu proceder esquisito.

Ela não é barata de rua
Nem é qualquer andarilha
Ela é uma ótima filha
Tanto minha quanto tua.

Cuidado com o que dizes
Certas coisas não perdôo
E eu muito me magôo
Com esses teus deslizes.

O exemplo vem de casa
E é o alicerce do porvir
Pra quando a Kika sair
De baixo de nossas asasl

Narrador
O velho Baratoso logo caiu em si e arrependeu-se sinceramente de ter dito aquelas besteiras impensadas. Ainda bem que a filha não ouviu ou ficaria imensamente magoada. Precisamos vigiar nossas bocas para não nos tornarmos escravos de nossas palavras.

Papai Baratoso
Desculpe-me meu amor. É verdade. Nossa menina é tão boa e merece ser feliz. Amanhã mesmo nos reuniremos para traçarmos planos de modo que nossa princesa tenha um bom futuro.

Narrador
No dia seguinte a família se reuniu. Os pais de Kika e seus 85 irmãos. A menina falou em primeiro lugar.

Kika
Que honra é essa família,
Tenho pais encantadores
Meus irmãos são uns amores
E sou uma grata filha.

Lamento muito os transtornos
Que trago para essa casa
Pois essa tristeza me arrasa
Ao olhar em nosso entorno.

Minha desgraça se assemelha
Àquelas antigas historias
Que trago em minha memória
Sobre as negras ovelhas.

Eu atraio somente desgosto
Para quem está ao meu lado
Trago o meu coração magoado
E me sinto como um encosto.

Papai Baratoso
Não fale assim, minha filha. Eu vou matriculá-la num colégio para crianças especiais. A qualidade do ensino é ótima e você não se sentirá deslocada. Se você for uma boa aluna pode vir a tornar-se uma pessoa importante e influente em nossa sociedade.

Mamãe Baratoso
Seu pai tem razão, menina
Lá o ensino é muito bom
Para as baratas albinas,
Pergunte ao Dr Baratão.

Ele formou-se em Direito,
Parece um floquinho de neve
E, no entanto ninguém se atreve
A demonstrar-lhe preconceito.

Não importa se és diferente,
O que valem são os valores
Não se importe com os clamores
Que vêm dessa estúpida gente.

Nós seremos teu forte escudo
Vamos estar sempre contigo
E te daremos um bom abrigo
Contra todos e contra tudo.

Narrador
Kika recebeu comovida o apoio de toda a família. Ela sentiu um grande alívio ao perceber o quanto era amada. O Papai Baratoso pediu-lhe que tivesse paciência por mais duas semanas, quando ela iria para a nova escola.
Enfim chegou o grande dia. Ela saiu com uma comitiva que a acompanhou até a porta da bela instituição de ensino onde o diretor recebia os novos alunos. Ela foi para o seu alojamento e na manhã seguinte compareceu à aula inaugural. O professor Antenas coordenador do curso começou com uma palestra bastante interessante sobre preconceito.

Professor Antenas
Vamos ter uma conversa
E estabelecer certas regras:
A cor aqui não interessa
Seja branca, azul ou negra.

O tom da pele nada muda,
Não interfere no proceder,
Não atrapalha nem ajuda
Na boa formação de um ser.

Não é ruim nem é bom
Pois não afeta o intelecto
Barata branca ou marrom
Continua o mesmo inseto.

Vocês só são diferentes
Porque são uma minoria
Matemática, simplesmente
Em outras palavras: hipocrisia.

Narrador
Sábias palavras. Se começassem a nascer mais baratas como Kika e menos como as ‘normais’ algumas baratas brancas teriam preconceito com relação às marrons. Mas porque preconceito? Por que elas seriam diferentes e muitas baratas pobres de espírito consideram isso como uma inferioridade.

Narrador
O curso durou 14 longos anos. Era integrado em todos os níveis. Do ensino elementar ao superior em um só local. Coisa de baratas de primeiro mundo. Kika destacou-se como uma das melhores alunas da classe e escolheu Pedagogia como carreira. Ela passava os fins de semana na casa dos pais, mas evitava sair para não sofrer constrangimento. Quando estava no último ano do curso superior ela conheceu Igor Baratta, um jovem brilhante e bem apanhado. Foi amor à primeira vista. Ele enviou um lindo buquê de flores para Kika que ficou sensibilizada. Então ele veio lhe falar no intervalo das aulas:

Igor
Minha fofa sou-lhe grato
Por aceitar meu buquê
E quero fazer um trato:
Serei fiel a você.

Em troca quero carinhos
E habitar teu coração.
Eu cansei de ser sozinho
E me dói a solidão

Quero te dar um ninho
E uma imensa prole
De duzentos baratinhos
E que você me console.

Eu nunca porei em teu rosto
Uma marca de tristeza
Ou uma sombra de desgosto
Podes disso ter certeza.

Narrador
Foi um momento inesquecível para a moça. Ela há muito esperava uma declaração formal de amor de seu galante príncipe encantado e finalmente chegou o tão sonhado momento.

Kika
Meu branquelo adorado
Seu pedido me enternece
Pois Deus ouviu minhas preces
E te colocou ao meu lado.

Minha esperança se renova,
Meus pais ficarão exultantes
Mas eu não lhes falarei antes
De terminarmos as provas.

Será uma surpresa grata
Quando eu disser que passei
Com louvor e ainda encontrei
Um rei entre tantas baratas.

Narrador
Kika tira excelentes notas e escreve para seus pais contando as novidades. Ela fala também, é claro, de seu grande amor e dos planos para o futuro. Diz que guardou a surpresa para o fim e que no dia seguinte eles iriam conhecer o Igor na festa de formatura. Quando chega a esperada data todos estão exultantes porque, embora adorem a escola os jovens sentem uma imensa saudade do constante convívio familiar. Amanhã será a festa da formatura e os parentes e amigos dos alunos estarão lá para prestigiar a festa. Nem todos chegam até o término do curso superior, mas a maioria consegue esse feito fantástico e a festa é de arromba.
Dez horas da manhã e o lugar já está lotado. Finalmente e por uma grande coincidência Papai Baratoso encontra a filha junto com o futuro genro. Alguns das dezenas de parentes dos dois pombinhos já estavam com eles, porém a presença mais festejada é a dos velhos, sem dúvidas.

Kika
Esse baratão cascudo
E o meu pai amado
A ele eu devo isso tudo
Inclusive estar ao seu lado.

Ele é meio invocado
Às vezes eu me assusto
Mas ele é bom e justo
E muito tem me apoiado.

Minha mãe é uma doçura
Minha varinha de condão
Ela moldou meu coração
Com carinhos e candura.

Narrador
Que festa! As baratas dançavam a valer. Algumas davam vôos rasantes, apesar de ser proibido, mas no calor da alegria algumas regras acabam sendo quebradas.
Era um mar de asas que visto de cima parecia um manto marrom e branco e muitos amores e grandes famílias iniciaram-se ali, naquele dia. De manhã a festa acabou e todos foram descansar um pouco para partirem para suas casas na manhã seguinte. Quando chegaram a suas cidades natais foram muito bem recebidas. Afinal não eram brancas qualquer, mas baratas especiais com formação superior. Ainda havia alguma hipocrisia entre aqueles insetos, mas as pessoas mais evoluídas e sensatas já aceitavam perfeitamente essas irmãs de cor e havia até alguns casamentos inter-raciais. Era a evolução natural, tendo em vista que as branquelas, como eram chamadas pejorativamente as baratas brancas, aos poucos mostravam que em nada devem aos marrons, havendo algumas inferiores ou superiores como era de se esperar.
Hoje a família cresceu. São 48 baratos sendo 2 brancos que também estão estudando na mesma escola dos pais. Eles são respeitáveis cidadãos, tendo se tornado escritores e professores universitários.

FIM

4 comentários:

Isaías Gresmés disse...

Josafá, este conto "A Barata Branca", é fantástico; é sem dúvida, um dos melhores que já li. Você tocou no tema do preconceito racial com muita inteligência, de uma forma leve, sem apelar para os velhos clichês... Mostrou que "as baratas de cor (rere) são tão boas ou tão ruins quantos as demais. Também demonstrou que a família é importante na formação de um indíduo (Seu Baratão Casca grossa que o diga). Fantástico! Como disse-lhe anteriormente, acho que você achou a fórmula certa. Esse seu conto poderia perfeitamente ser utlizado didaticamente para discutir esse tema polêmico, que é o preconceito. Parabéns mestre.

AAC-ocultismonataberna disse...

fiz um poema a ti...

Para um eterno poeta... (Josafá Maia da Costa)

Encanta a olhos desconhecidos
Palavras doces que se lançam ao vento,
O estudo, companheiro do claro dom,
Por vezes emocionaram-nos
Com desenhos escritos de sentimentos
Que com honra nos fazem aplaudir
De pé e com muita emoção!

E que os anjos saibam lhe receber
Como rei de poesias voejantes
Que adentram ao céu como borboletas
Que colorem nossos pensamentos
em dias cinzas
Mande-nos essa inspiração divina
do plano espiritual construído de amor
Pois sabe-se que o mestre escolhe os melhores
para dividir as tardes amenas..
Sinta nossos abraços, meu senhor, neste momento
Sua presença foi e será, como uma forte luz
e mesmo que não tenhamos a dádiva
a lhe apertar a mão em um respeitoso cumprimento
lançamos nossa honra e admiração
em forma de aspirais de energia
e em lágrimas, vos aplaudimos....
Obrigado por ter nos iluminado com vossa sabedoria!

Á Josafá Maia da Costa, que esteve por aqui com seus belos versos
e acaba de ser encaminhado para o plano divino!
Uma breve homenagem, pela energia q transmitia-nos com suas palavras que jamais serão esquecidas! Esteja em paz, com Deus!

Anônimo disse...

Parabéns Pelas sua Poesias
São Legitimas e bem escritas, bem estruturadas e gostosas de ler, nos faz vivencias cada verso.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.