quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O Burro, o Louro e o Cachorro

Narrador
Era uma enorme fazenda a Coice de Mula. O seu proprietário era um sisudo coronel. Não porque pertencesse às Forças Armadas ou algo que o valha, mas porque era costume chamar-se naquela época e lugar por essa denominação os grandes latifundiários.
Esse fazendeiro tinha um burro que era utilizado no transporte de mercadoria, principalmente provisões. Era um burro metido a besta. Pirracento como ele só e cheio de vontades. Mas era extremamente útil e trabalhador. Um certo dia, porém (sempre há um certo dia...) o cavalo do fazendeiro adoeceu. Era o animal usado pra puxar o arado na plantação da Coice de Mula.
Não havia outro animal para colocar no lugar, pois o coronel não iria pôr um puro sangue pra puxar arado.
Então ele pensou: quem não tem cão não caça, mas eu tenho o burro. Chegou à estrebaria e falou:

Fazendeiro
Vamos lá, burro danado,
Acabou-se a boa vida.
Tu vais puxar o arado
Cuidar da nossa comida.

O burro pensou com seus botões -embora burros não tenham botões: -Mas não vou mesmo!

Burro
Salta de banda o ‘do bigode’,
Que não carrego cangalha
Procura outro que te valha
Que comigo tu não podes.

Não sou puxador de arado,
Sou do setor de transportes
Por que sou bastante forte,
Te vira pra outros lados.

E empacou. O fazendeiro fez o impossível e o infeliz não arredou pé. O coronel suava a cântaros com o danado.

Coronel
Burro, burro pirracento
Não faz com que me zangue
Que eu te afogo no mangue,
Seu animal fedorento!

Se mexe safado, anda!
Ou vou te dar uma sova
Para te dar uma prova
Do macho que aqui manda.

Vou te cortar esse rabo
Com minha afiada faca.
Vou te arrancar uma lasca
Por que tô ficando brabo!

Narrador
Nada. Era hilário de se ver o pobre do coronel às turras com o burro.
O homem então desistiu, mas tomou uma decisão: aposentou o burro teimoso.
Botou o bicho porteira a fora e jurou pra si mesmo que o assaria na brasa se ele retornasse.
O burro foi para um casebre perto dali, numa terra que não tinha dono porque nada nela vingava. Chegando lá encontrou um louro e um cachorro conversando.
Ele achou uma visão insólita e perguntou o que eles faziam ali. Ficou surpreso ao saber que eles também haviam sido ‘dispensados’ pelos seus donos.

Louro
O coronel ficou zangado
Por que contei pra Maria
Que o seu marido vivia
Pulando pro outro lado.

Atrás de fogosa cabocla
Na fazendo Boi Bumbá.
Todo dia ele ia pra lá
Pra uma aventura louca.

Um dia fiquei com pena
Da minha antiga patroa
Que julgava que era boa
E dedurei a morena.

Foi um enorme escarcéu,
A porca torceu o rabo,
A mulher queria dar cabo
Do infeliz do coronel.

Cachorro
O cachorro, então falou: -Pois é, o coronel pediu perdão que acabou sendo aceito pela mulher. Na mesma noite já estavam de chamego. Concluíram que o louro era um traidor e jogaram-no pela janela.

Burro
E qual que tua história, amigo peludo?

Cachorro
Eu cometi a heresia de ficar velho e um lobo matou um dos cordeiros do meu dono. Então ele comprou outro cão mais novo e expulsou-me.

Cachorro
Eu era um cachorro forte,
Guardava toda a fazenda,
Tornei-me mesmo uma lenda
Cantada de Sul a Norte.

Meu dono era orgulhoso
De ter cão tão valente,
Mostrava a toda gente
O seu belo cão famoso.

Cuidava de ovelhas, do gado,
Da casa era o fiel guardião
Não existia um outro cão,
Mais valente e abnegado.

O tempo tudo consome.
Enfim cheguei à velhice,
Então o coronel me disse
Pega teu rumo e some!

Sem nenhum sinal de afeto
Jogou-me sem algibeira
Pra fora de sua porteira
Como se eu fosse um objeto.

Narrador
Então os três se uniram e cantaram uma antiga canção popular daquelas paragens:

Burro, Louro e Cachorro
Me diga por onde andas?
Me diga quais são as bandas?
Me diga quem é que manda?
Me diga quem te comanda?

Andas jogado no mundo,
Doente, tristonho, imundo,
Com um desgosto profundo
Como pobre moribundo.

Se você não for perfeito,
Fique certo que o sujeito
Meu amigo não tem jeito
Perde todo o respeito.

Teu passado é amargura,
Teu presente é negrura,
O futuro é vala impura
A vida e mata escura.

Narrador
Eles convivem naquele lugar por muito tempo apoiando-se mutuamente. Até que um dia um fazendeiro que havia comprado aquelas terras os encontra durante uma inspeção. É Leonardo, um homem bom e justo que adora animais. Ele entra no casebre com dois belos cães de caça e de pronto simpatiza com aquelas singelas criaturas. Ele fica penalizado ao vê-los tão maltratados e leva-os para a casa da fazenda.

Leonardo
Nunca mais sentirão frio
Fome também, jamais,
Pois eu amo os animais
Então terão meu auxilio.

O papagaio falador
Irá afastar o meu tédio
O cão será um remédio
Como um belo treinador.

Será um enorme ganho
Para meus cães de raça
Vai mostrar como se caça
E como cuidar do rebanho.

E esse burro tão turrão
Vai cuidar dos mantimentos
E vai buscar alimentos
Lá no armazém do Adão.

Vou plantar um milharal
E fazer desse roçado
Imenso mar esverdeado
Como nunca vi igual.

Narrador
E assim foi feito. O cão ensinou os jovens animais a caçar, cuidar do gado, guardar a casa. O papagaio quebrava a monotonia do fazendeiro que ainda era um solteirão. A fazenda prosperou e os três serviram o fazendeiro até o fim da vida não como animais, mas como amigos.

FIM

Um comentário:

Isaías Gresmés disse...

Belo conto esse. Infelizmente ainda existem pessoas iguais ao Coronel, que maltratam os animais (rinhas de galo, brigas de pitbull, farra do boi, etc). Isso é horrível. Acho que quem maltrata uma criatura é um monstro (e não animal). Mas o Burro, o Louro e o Cachorro tiveram a felicidade de encontrar uma pessoa solidária e tiveram um destino feliz.

Obs: Aproveitando a ocasião, gostaria de deixar aqui minha repulsa por aquelas pessoas que jogam os corpos de seus animais mortos na rua; isso é desumano.

Parabéns Josafá. Este conto ficou fantástico.